Entrevista com Duda Teo - Parte 2

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Monika: Como você lida com a pressão de "passing", especialmente com o julgamento constante da sociedade sobre nossa aparência? 
Duda: É terrível. É mais uma demanda cis do que trans, no meu ponto de vista. A passabilidade representa segurança, acima de tudo. Poder frequentar um banheiro ou qualquer espaço público sem sofrer violência é um preço que acabamos pagando, mesmo que exija cirurgias, procedimentos e anos de hormonização.
Eu sigo me questionando se as mudanças que venho construindo no meu corpo são para mim ou para a sociedade, e a resposta é sempre a mesma: para ambas. Eu me sinto bem sendo feminina, mas não quero ser aprisionada no feminino que mora no imaginário coletivo.
Quero um feminino livre, inclusive, para não ser tão feminino assim de vez em quando. Mas, percebo que a passabilidade e a branquitude facilitam minha vida, me permitem ocupar determinados espaços e acessar determinados direitos que muitas irmãs negras e sem passabilidade são excluídas.
Monika: Qual a sua visão sobre a situação atual das mulheres trans no seu país? Você acha que as coisas estão melhorando?
Duda: Vivemos um paradoxo: de um lado, estamos avançando nas discussões, na ocupação de espaços de poder e na construção de saberes. No entanto, seguimos sendo o país que mais mata e mais consome pornografia trans no mundo. Mesmo com uma série de avanços legislativos e sociais, o Brasil segue alinhado ao movimento da extrema direita no mundo: a perseguição de pessoas trans.
A extrema direita não tem projeto para o povo, então, a estratégia é criar um inimigo público e lutar contra ele, a partir de notícias falsas e pânico moral. Simples assim.
As nossas existências também mexem com uma ferida narcísica profunda da cisgeneridade: nós representamos novas categorias de gênero, ou seja, de organização social, tirando homens e mulheres cis da condição de seres universais. Esse ponto em específico motiva o ódio e as ações das alas ultraconservadoras que veem na nossa liberdade um risco real para as estruturas de controle baseadas em gênero e isso vai se refletir em todos os setores da sociedade, inclusive, como se pensa a ciência.
Monika: Você já sentiu pressão para atender a um certo ideal de feminilidade, como eu senti quando tentei me espelhar nas mulheres ao meu redor?
Duda: A pressão vem de todo o lado, principalmente, porque a transgeneridade ainda está sujeita à perspectivas cisgênero. Os códigos de feminino e masculino, e a ideia da diferença sexual, está mais do que demarcada nos códigos sociais e no imaginário coletivo. Eu cresci numa família de mulheres dentro de um salão de beleza. As minhas próprias referências de feminino e masculino foram influenciadas por isso.
Logo, quando comecei meu processo de transição, a autocobrança foi tão forte quanto a vinda das minhas irmãs, mãe e amizades. O corpo trans é um corpo público que as pessoas se sentem a vontade para opinar e fazer perguntas que jamais fariam a uma pessoa cis. Até hoje ouço comentários sobre meu corpo e minha expressão de gênero, principalmente, em relação à minha voz.
 
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"Não fuja dos teus medos.
Eles sempre estarão lá."
 
Monika: Qual foi a parte mais surpreendente da sua transição, algo inesperado, seja positivo ou negativo?
Duda: A parte positiva é o sentimento de integridade, completude e felicidade. Se encontrar no próprio corpo, habitar a própria pele e viver de acordo com suas próprias questões é algo que te inunda de senso de propósito e alegria de viver. A dificuldade são as consequências que o mundo te traz ao discordar da ordem cisnormativa que está posta.
Alguns pontos negativos, além da transfobia recorrente, são as interrupções em reuniões, que se tornaram muito maiores, e as situações de assédio. É preciso muito mais cuidado em todos os sentidos, inclusive, de controle da imagem e do discurso, pois os julgamentos são muito mais severos sobre pessoas trans.
Monika: Muitas mulheres trans estão escrevendo suas memórias hoje em dia. Você já pensou em escrever sua própria história?
Duda: Já pensei, mas tem me interessado mais escrever sobre minha visão de mundo, minhas experiências, reflexões e a forma como venho entendendo as estruturas de controle e opressão. Em algum momento, eu devo olhar para minha própria história com certo tom bibliográfico, mas acho que ainda não chegou a hora. Há muito que viver ainda. 
Monika: Se você pudesse dizer uma coisa para sua versão mais jovem sobre ser uma mulher trans, o que seria?
Duda: Não fuja dos teus medos. Eles sempre estarão lá. Você vai precisar conviver com eles e pensar a vida de forma estratégica o suficiente a ponto de te permitir ser quem é. Estude, se eleve e chegue na sua melhor versão. Você pode tudo.
Monika: Por fim, o que vem a seguir para Duda? Quais sonhos e objetivos você está trabalhando agora?
Duda: Eu sigo na minha construção acadêmica dentro das Ciências Sociais e pretendo fazer algumas publicações relevantes sobre transgeneridade. Eu venho trabalhando em três campos distintos no momento, os quais devem me levar aos próximos passos em relação à arte, projetos culturais e produção acadêmica: a transfobia no pós-morte, a transcestralidade brasileira e as experiências trans para além da precariedade e violência. 
Monika: Duda, muito obrigada por compartilhar sua jornada e seus insights conosco. 
Duda: Muito obrigada pelo convite e pela jornada linda que foi essa entrevista, Monika. Que nós, pessoas trans, possamos alcançar os patamares de nossa cidadania e da nossa humanidade. A luta é longa, mas somos elos de uma corrente de luta e resistência que atravessa o tempo e o espaço. Sempre existimos e sempre existiremos.

Todas as fotos: cortesia de Duda Teo.
© 2025 - Monika Kowalska




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